Especialistas ouvidos por Migalhas dizem que há certa “preguiça” por partes das empresas de tecnologia no cumprimento das decisões judiciais.

Em recente decisão, a 6ª turma do STJ determinou que o Google forneça dados de usuários a fim de auxiliar investigação de crime. Os ministros, por sua vez, limitaram a abrangência da quebra de sigilo, para que o fornecimento se limite às informações necessárias à identificação dos usuários, mas sem o amplo acesso a conteúdos de e-mails e fotos, por exemplo.

Essa não é a primeira vez que o tema é alvo de decisões da Justiça. Em inúmeros processos debatidos nas Cortes brasileiras, o Google aparece questionando decisões que o obrigam a entregar dados de usuários com base em coordenadas geográficas e limites temporais.

Diante da importância do assunto, Migalhas ouviu especialistas na área para entender se este tipo de decisão poderia ferir a privacidade dos indivíduos.

Segundo Marcelo Crespo, coordenador do Direito ESPM, decisões sobre o tema, a rigor não são genéricas, tendo em vista que as coordenadas indicam locais precisos sobre a ocorrência de um possível ilícito.

“A legislação e a Constituição Federal admitem este tipo de prova no processo penal, portanto, não representam qualquer violação à privacidade ou a inviolabilidade das comunicações telemáticas. Até mesmo porque essas decisões devem ser pedidas pelo Ministério Público e avaliadas por um juízo competente. Só podem acontecer mediante decisão judicial.”

Entendimento semelhante é do advogado e professor especialista em Direito Digital, Luiz Augusto D’Urso (D’Urso e Borges Advogados Associados). Ele lembra que o juiz precisa ser bastante específico sobre a quebra e explica que o magistrado precisa apontar quais são os dados exigidos em um período determinado referente àqueles perfis.

“É muito complicado o juiz determinar a quebra genericamente de vários perfis ou de vários usuários de maneira simultânea. Então, precisa haver aí uma diretriz específica para consolidarmos que as decisões judiciais precisam ser nesta forma. Uma vez que diante de decisões inespecíficas ou genéricas, muitas vezes a plataforma não poderá cumprir a decisão judicial ou as informações enviadas não ajudarão em eventual investigação criminal.”

Há “preguiça”?

Questionado sobre uma possível resistência por parte das empresas de tecnologia, Crespo concorda que há certa relutância neste tipo de colaboração.

“Verifica-se em especial o que tem acontecido na discussão do PL das fake news. O fato é que o modelo de responsabilidade das grandes empresas de tecnologia foi constituído a partir do Marco Civil da Internet, por volta de 2014, o que já não funciona para o nosso atual estado da tecnologia e da sociedade. Assim tendo a concordar com o ministro.”

D’Urso também chancela a possibilidade. “Me parece que há um absoluto desinteresse de algumas plataformas em colaborar em inquéritos policiais ou ações, principalmente as criminais”.

“As plataformas, muitas vezes, criam dificuldades no cumprimento da decisão judicial, devolvem documentos e ofícios totalmente genéricos e isso atrasa muito a investigação criminal e a punição de autores de crimes cibernéticos, por exemplo. Então, lamentavelmente, é uma realidade que precisa ser superada, uma vez que essas plataformas precisam colaborar muito mais com a Justiça e também de maneira preventiva.”

Responsabilidade

Caso o Google, por exemplo, forneça este tipo de dado solicitado pela Justiça, ele pode sofrer ações de responsabilidade civil em massa daqueles que se sentirem lesados?

Na avaliação de Luiz Augusto, a resposta é não, uma vez que o fornecimento se deu em razão de uma determinação judicial, que precisa ou ser cumprida ou ser recorrida.

“Se houver efeito suspensivo no recurso não será necessário o cumprimento, mas a regra geral é: decisão judicial precisa ser cumprida, o que não gera responsabilidade da plataforma, gera responsabilidade ao Estado ou ao juiz que determinou se houver algum equívoco, erro ou arbitrariedade. Então a plataforma ou recorre ou cumpre, ou cumpre e recorre, mas não poderá ser responsabilizada uma vez que está cumprindo decisões judiciais.”

Marcelo Crespo complementa e diz que no Brasil vige a regra do acesso à Justiça.

“Todos aqueles que se sentirem lesados podem procurar o Poder Judiciário para reparação de danos. No entanto, todo o pedido deve sempre ser fundamentado e acompanhado de provas. Além disso, é preciso considerar que nenhum direito é absoluto e que a própria Constituição e a legislação permitem que haja flexibilização destes direitos em determinadas situações, justamente como é o caso do cumprimento de obrigações determinadas pelo Poder Judiciário. Neste sentido, uma pessoa não pode buscar reparação contra uma empresa que compre uma decisão judicial.”

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